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Extracção de Inertes Uma Ameaça

O Director Nacional do Ambiente, Moisés Borges, anuncia que os trabalhos de recuperação do Monte Vermelho estão a decorrer a um bom ritmo, pelo que dentro em breve aquela localidade da Cidade da Praia vai apresentar um “novo rosto".

Moisés Borges fez estas declarações durante uma reportagem que fizemos sobre o Monte Vermelho, onde, durante vários anos, se fez a “exploração desregrada” de inertes para a construção civil.

 “Em várias ocasiões tentámos pôr cobro à situação e, finalmente, conseguimos suspender, em definitivo, a extracção ilegal de inertes nesta localidade”, disse o Director Nacional do Ambiente

TMoisés Borges
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Para Moisés Borges, não são propostas “muito fáceis” de se implementar. Segundo ele, actualmente, uma parte do Monte foi disponibilizada para a recuperação e transformação em lotes para a construção civil.

A instituição que dirige continua a trabalhar na procura de soluções e, para o efeito, já dispõe de uma equipa constituída por técnicos da área do Ambiente, do Laboratório de Engenharia Civil, do Instituto Nacional de Gestão do Território, no sentido de encontrar “soluções que sejam viáveis” para serem implementadas a nível do Monte Vermelho.

“A nossa principal preocupação é avançar rapidamente com a recuperação paisagística daquela localidade, porque já há iniciativas para o efeito”, sublinhou Borges, revelando que existe uma outra proposta, ainda maior, mas entende que a recuperação do Monte Vermelho “não tem que passar apenas por loteamento”.

Daí, adianta o Director Nacional do Ambiente, se estar à procura de “novas soluções” para a transformação do referido sítio com outras utilidades, nomeadamente transformá-lo num espaço verde.

“Temos uma proposta nesse sentido, pelo que vamos analisá-la e ver qual será a melhor solução definitiva para a recuperação total do Monte Vermelho”, conclui.

Entretanto, Moisés Borges vai avançando que existem condições para se avançar com um projecto de transformação daquele sítio em uma área verde por excelência. Até porque, justificou, a Cidade da Praia tem muita carência em termos de espaços verdes.

Instado sobre algum barulho que se fez quando se tomou decisão no sentido de proibir a extracção de inertes, aquele responsável afirmou que, no domínio do ambiente, “as decisões nem sempre são fáceis”. Na sua perspectiva, é preciso “coragem suficiente” para as implementar, sobretudo quando se está convencido da bondade das medidas.

Reconhece que a proibição da extracção de inertes em certos pontos do país suscitou alguma resistência da parte das pessoas e, para se ultrapassar este problema, as autoridades empreenderam um “quadro de diálogo aberto” com os extractores que acabaram por concluir que, efectivamente, estavam a praticar uma actividade ilegal.

“Através de uma ONG (Organização Não Governamental) conseguimos obter um financiamento que garantiu a essas pessoas a enveredar-se por outras formas de ganhar a vida”, pontuou Moisés Borges, mostrando-se convencido que neste momento a “situação está tranquila e calma”.

Moradores satisfeitos

Alguns moradores dos bairros vizinhos mostram-se satisfeitos com os trabalhos em curso de recuperação do Monte Vermelho.

Ana Maria Semedo, moradora em Cidadela, não esconde a sua satisfação pelo facto de as autoridades terem decidido avançar com a recuperação do Monte.

“Estou convencida que se trata de uma boa iniciativa. Isto tudo devia ser arborizado para emprestar um novo visual ao Monte Vermelho”, congratula-se Ana Maria que apela às autoridades a prosseguir no sentido de uma “recuperação total” de todos os espaços onde se fez a exploração desenfreada de inertes.

Para João Correia, a recuperação do Monte Vermelho deve servir de exemplo de que, à semelhança de outras paragens por este mundo fora, é possível fazer “algo positivo” a favor do ambiente.

Por sua vez, Manuela Andrade acha também que se está diante de uma “ideia interessante” e sugere que o espaço deve ser arborizado, transformando-o num “autêntico lugar de lazer”.

Monte Vermelho

Praias versus tartarugas

A extracção de inertes nas praias de Cabo Verde, nomeadamente as areias, tem consequências desastrosas a curto e médio prazo na vida das tartarugas marinhas, principalmente algumas espécies em extinção, como a tartaruga careta-careta e a tartaruga verde.

Segundo a bióloga marinha, Nereida de Carvalho Delgado, a exploração desregrada das areias nas praias de Cabo Verde tem “consequência directa na diminuição da população das tartarugas marinhas”.

“As tartarugas têm uma fidelidade extrema em relação à praia onde nasceram. Assim, após atingirem a idade adulta procuram estes mesmos sítios para a desova. Se em vez de areia encontrarem apenas calhaus, estas mesmas tartarugas voltam ao mar para ali largar os ovos ”, explica a bióloga e, logo, perde-se uma ninhada”, diz a bióloga, acrescentando que não há uma explicação científica para a “fidelidade extrema” que as tartarugas marinhas têm em relação ao local de nascença.

De acordo com aquela técnica, as tartarugas regressam às praias apenas para a desova, já que a sua cópula acontece na água, assim como a alimentação.

Na perspectiva da bióloga, a apanha da areia nas praias é um problema socioeconómico, pelo que urge resolvê-lo.

 “Uma tartaruga pode pôr de uma só vez até 140 ou mais ovos”, revelou a bióloga marinha, acrescentando que, recentemente, foi encontrado na localidade de Barrosa, na Boa Vista, um ninho do tipo.

De acordo com as suas palavras, uma tartaruga pode passar até dois anos sem reproduzir e, por isso, os cuidados em relação a estes animais marinhos “devem ser redobrados”.

“Há dois anos foi encontrado, na ilha do Sal, um ninho com ovos deixados pela tartaruga verde, o que levou os especialistas a concluir que alguma vez esta espécie já havia desovado em Cabo Verde”, indicou a bióloga Nereida Delgado, para quem se está a fazer estudos sobre este caso no arquipélago.

Turismo e agricultura ameaçados

Tarrafal, um dos municípios mais turísticos da ilha de Santiago, tem como cartão-de-visita as suas praias do mar que são motivos de atracção por parte de estrangeiros e nacionais. No entanto, a apanha desenfreada de areia está a pôr em perigo o turismo, com a degradação das orlas marítimas.

A praia de Chã Bom é um dos exemplos paradigmáticos da degradação da orla costeira. Hoje, os moradores sentem nostalgia deste sítio, que, outrora, já fora uma das praias de referência do concelho.

António Andrade, 62 anos, diz que é “repugnante ver o estado da praia de Chão Bom e o descaso por parte das autoridades”. Segundo diz, diariamente estão dezenas de mulheres a extrair areia no mar para vender, na barba das autoridades.

O biólogo marinho e morador da zona, Vitor Mendes, mostra-se inquietado com o estado de algumas praias do município, em especial a de Chão Bom e sugere intervenção imediata por parte das autoridades, no sentido de fiscalizar a apanha de areia e reabilitar a orla marítima, que outrora, era um espaço de lazer e de arrasto de botes para os pescadores. Vitor Mendes alerta para as consequências que já se fazem sentir no perímetro agrícola do Colonato, nomeadamente a qualidade da água e a infertilidade do solo.

Por seu turno, os pescadores Manuel, Chochi e João confessam estar angustiados com o estado a que chegou a praia de Chão Bom e responsabilizam as autoridades locais e centrais, em especial a Polícia Nacional que, conforme afirmam, não têm agido de forma eficiente, de modo a dissuadir os prevaricadores.

Em oposição, as mulheres que vivem da apanha de arreia em Chão Bom e Ribeira das Pratas dizem-se conscientes dos problemas ambientais e mesmo para a saúde que a acção provoca. Justificam as suas acções por falta de alternativa e lembram que têm filhos para alimentar e educar.

Entretanto, situações semelhantes registam-se noutras praias dos municípios do interior de Santiago. Em Santa Catarina, as duas praias, a de Ribeira da Barca e Rincão, estão totalmente degradadas e os habitantes já sentem na pele as consequências. Nas duas comunidades, os pescadores já reclamam por lugares para arrastar os botes, porque já não se vê areia à beira-mar. Lamentam os estragos nos botes, enquanto os banhistas também se queixam do problema.

Na zona piscatória de Rincão, cerca de trinta moradias, da zona de Baixo Lá, todos os anos sofrem com a invasão da água do mar. No ano passado foram, provisoriamente, realojados em sítios mais seguros. As autoridades camarárias já têm um plano para o realojamento definitivo daquelas famílias. A zona de Baixo Lá foi declarada zona de risco e está interdita ali qualquer construção.

Santa Cruz

Santa Cruz foi dos municípios do país que mais sofreram com a apanha de areia, principalmente, em meados de 1990, com o apogeu da construção civil na Cidade da Praia. Segundo especialistas do Ministério da Agricultura e Ambiente, o concelho perdeu varias praias balneares.

De acordo com o biólogo e ambientalista Jaquelino Varela, o fenómeno descontrolado afectou drasticamente a nidificação das tartarugas marinhas, assim como a agricultura.

Dados da delegação do ministério da Agricultura e Ambiente, em Santa Cruz, revelam que mais de dois hectares de terrenos deixaram de ser cultiváveis, em decorrência da apanha de areia. Devido à salinização, cerca de 20 poços passaram a ter água inapropriada para a rega e o consumo humano.  

Para conter a apanha de areia, o governo destacou militares para vigiar a praia de Areia Grande, a principal do município. Alguns moradores da Cidade de Pedra Badejo afirmam que mesmo com o destacamento militar há quem drible as tropas e furta a areia. Reconhecem, porém, que hoje esta prática é feita em menor escala.

Para mitigar o problema foi implementado o projecto de reforço das capacidades de adaptação e resiliência às mudanças climáticas, o qual foi financiado pela Agência Canadiana de Cooperação Internacional, em parceria com o governo de Cabo Verde. Construíram-se 12 diques de retenção, investimento que, segundo a delegada do Ministério da Agricultura, Larissa Varela, teve “impactos positivos na agricultura”. Exemplo disso é a Ribeira de "Casona", local onde os agricultores deixaram de produzir por causa do fenómeno de salinização da terra, que agora está a ser produtivo.

As autoridades de Santa Cruz reconhecem que a apanha descontrolada de areia prejudicou grandemente a produção agrícola no município.

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